terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mobilidade e Convergência Digital - aprender a qualquer hora e em qualquer lugar

Estamos em 2025. Segunda-feira, 8 horas da manhã, numa cidade grande latino-americana. Sergio levanta-se preocupado com a seqüência de seu trabalho. Nestas 3 ultimas semanas ele havia dedicado muitíssimas horas a um projeto novo, o desenvolvimento de um sistema de que detecta buracos nas ruas de uma prefeitura irlandesa. Formado em geologia, ele trabalha junto com um programador de tecnologia móvel do Japão, e uma designer finlandesa, na produção de uma aplicação para que os GPS celulares possam detectar buracos e desviarem os automóveis de acidentes, bem como permitir que a prefeitura possa rapidamente recapear as ruas da cidade. Competências diversas, espalhadas pelo planeta, trabalhando juntas, para um empregador remoto. Cenário possível e quiçá necessário. Como se prepara jovens capazes de tal grau de trabalho solidário, tal capacidade de colaboração, tal autonomia?
As ferramentas necessárias para qualquer esforço de informação, comunicação, sincronicidade, colaboração e trabalho coletivo já estão ai, disponíveis e baratas (quando não gratuitas). A percepção do capital corporativo de que não será possível obter-se todo talento necessário reunido dentro da própria empresa também emerge com nitidez (vide o movimento de terceirização, em que claramente procura-se eficiência na especialização).Home working também já é pratica corrente em diversas organizações, permitindo economia de custos e muito mais conforto, produtividade e satisfação de profissionais em todo o mundo.
Hoje um brasileiro pode, por exemplo, fazer toda sua graduação indo à faculdade o mínimo possível, continuar se especializando, inclusive em qualquer das top universities (harvard, mit,....), informar-se imediatamente sobre o artigo do filosofo que foi comentado no jantar ( e poder entrar em conversas sobre as quais não tinha informação), resolver problemas práticos sobre como instalar um equipamento novo em sua casa ou como consertar sua cafeteira elétrica ( pasmem, por vezes o tutorial da cafeteira foi escrito por um técnico indiano), acessar toda a bibliografia que necessita para alguma pesquisa( e carregar ela num tablet ou e-reader de 500 gramas),.... Isto tudo pode nos levar a pensar que estamos chegando a um mundo sem a necessidade de escolarização formal. O conhecimento está disponível sempre, em qualquer lugar e como numa grande praça de alimentação podemos nos servir daquilo que necessitamos, just in time, just in case. Será mesmo? Reflitamos um pouco.
Acho que tanta informação nos leva a um catatonismo, uma necessidade de estar tão atualizado em relação ao que pode interessar aos nossos relacionamentos sociais, que nao tomamos distancia para avaliar o que realmente interessa saber. Lucia Guimarães, comentando artigo de Neal Gabler no NYT, diz “A era digital nos libertou para a ignorância bem informada. Tal como o personagem Chance, de Peter Sellers, em Muito Além do Jardim, que vivia em isolamento sob uma dieta de televisão, podemos impressionar nossos interlocutores regurgitando pensamentos não processados.”1 Começam a faltar os grandes analistas, os pensadores que desfiam grandes idéias, que criticam e analisam o que acontece.... Sinto também que a literatura tende a ficar menos densa, pois leitores buscam a saciedade rápida, típica das redes sociais. Leio sempre pesquisas indicando que nossa capacidade de concentração aumenta, inversamente proporcional a variedade de tarefas executadas simultaneamente.
Não advogo aqui o caos. Acho que estamos no limiar de mais uma etapa de nosso desenvolvimento e como sempre, nos faltam referências concretas para um tempo que ainda não vivemos. Ler Zygmunt Bauman2 e seu conceito de modernidade líquida permite uma certa socialização deste mal-estar. Ele diz: “Nós nos encontramos num momento de "interregno": velhas maneiras de fazer as coisas não funcionam mais, modos de vida aprendidos e herdados já não são adequados à conditio humana do presente, mas também novas maneiras de lidar com os desafios da contemporaneidade ainda não foram inventados, tampouco adotados.”
Precisamos, certamente, nos organizar para lidar com esta transição, evitando a banalização, a superficialidade. Entre todas as instituições capazes de preparar continuamente o jovem para exercer qualidade neste meio líquido talvez seja a escola a mais preparada. Por mais paradoxal que pareça, estamos, dentro da escola, procurando alcançar o contemporâneo e mesclá-lo aos elementos fundamentais de formação que praticamos cotidianamente. Temos a oportunidade de valorizar muito nosso papel.
Vejamos alguns desafios que nos esperam - como preparar o jovem para, entre outras coisas:
• Compreender as nuances e distâncias entre as diferentes culturas, de modo a poder atuar harmoniosamente.
• Conseguir trabalhar sobre material iniciado por outra pessoa, sendo justo e generoso.
• Garantir uma atitude multi-tarefa consequente: a habilidade de vasculhar o ambiente em busca de detalhes vitais ( na solução do problema a resolver-se) – fazendeiros devem completar uma série de tarefas que requerem atenção localizada, enquanto caçadores devem varrer uma paisagem complexa na busca de sinais e pistas sobre onde a presa pode estar escondida.
Nossas escolas, infelizmente, foram desenhadas para criar fazendeiros. Teremos de reforma-la, urgentemente, se quisermos pegar o trem da história e garantir que as futuras gerações preservem o que de melhor produzimos até hoje, com a enorme capacidade de reprodução que vivemos neste tempo. É tempo de nós, educadores, tomarmos definitivamente o controle das ações, revitalizando nosso espaço de trabalho, impedindo que empresas, especialistas, sistemas e organismos estatais definam e executem suas políticas baseadas em interesses muito questionáveis!



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